Hoje, quando passei a chave na porta, sorri. Sorri aquele sorriso bobo, cheio de lembranças breves e bochechas arranhadas da sua barba. Cena certamente clichê, ao bater a porta e recostar-me a ela, escorregando, dando suspiros desnecessários e revirando os olhos, carregada de drama e ansiedade. Mas o fato é que não há quem negue passar pela delícia de tal situação quando o encontro dos corpos é mais forte que a expectativa. Ou quando as palavras são maiores que o limite de água que os olhos suportam. Ou ainda quando a temperatura dos dias entre Abril e Maio faz você sentir na pele o ar frio e insubstituível daquele tempo... A coisa toda é que não sinto pela metade. Nem por dentro: sempre transbordo. E você tem sido o pires que socorre o café que me escorre quando sou xícara... Eu sei, minhas metáforas incomuns te fazem rir de vez em quando. Mas o objetivo não é mesmo causar desgosto.
Ah! E o Caetano Veloso cantando “sou você” tem feito mais sentido a cada dia que me olho no espelho. Mas não é pelos traços físicos que todos insistem em afirmar serem parecidíssimos entre nós. É exatamente como diz a letra: “sou mais eu porque sou você”. Porque na verdade, mais uma vez, o amor tem dessas coisas. De pegar manias, de sincronizar os dois compassos num só. Então a cada dia, um plural se torna singular em nossa vida. Um dia é o jeito de arrumar os sapatos perto da porta. No outro é o mesmo tempo de terminar de escovar os dentes. E de trocar a roupa no mesmo canto do quarto. E de começar a escrever ou desenhar do mesmo lado da folha. E de estalar os dedos da mão, ou de lembrar uma coisa importante na mesma hora.
Mas a beleza não é essa, meu bem. Costumo deixar que saboreie o melhor por último.
Nossas junções fazem tudo ser inexplicavelmente maravilhoso. Como aquele prazer de acertar de cara a nota para a minha voz no seu violão. Ou como escolher aquele sorvete que você nunca provou só porque gostou da cor, e o sabor ser exatamente como você esperava. Mas o real prazer de cada minuto ao lado de alguém está escondido nos detalhes. E detalhes são surpresas. São as interseções entre o que idealizamos e o que não imaginamos acontecer conosco. São as diferenças que não necessitam de reparos ou adequações. Porque suas oscilações e formatos são justamente as chaves únicas para o outro, e vice e versa. Portanto, penso que a única certeza que se pode ter é que só podemos completar cada espacinho de outro ser quando formos inteiramente nós mesmos. Não discordo de Caetano, contanto que a recíproca permaneça verdadeira. “Já não vivo nem morro em vão. Sou mais eu porque sou você.”
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